Pocahontas: Entre mitos, romantização e a realidade colonial

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

A história não é uma animação da Disney e a vida real de Pocahontas, que fez sucesso como personagem inspirado na produção animada de 1995, não foi nenhum conto de fadas.

Nos idos do século XVII os britânicos enfrentaram dificuldades extremas e malsucedidas na colonização dos territórios da América do Norte, lidando com resistência dos povos nativos, desafios ambientais, epidemias, problemas de logística e abastecimento, falta de recursos para proporcionar os melhores meios de estabelecer os colonos, falhas na implantação de atividades produtivas no Novo Mundo e problemas políticos na direção do processo colonial. Diante disso, algumas tentativas de fixar grupo de colonos terminaram fracassadas.

Durante uma dessas investidas colonizadoras, as tensões entre forasteiros e os nativos Powhatan pelas terras acabaram envolvendo a jovem Matoaka ou Amonute, que de tão levada era chamada de Pocahontas (“a brincalhona” ou “a travessa”).

Nascida em 1596, ela era filha do chefe tribal e desde cedo já vivia no ambiente conflituoso que envolvia seu povo e os invasores britânicos. Conta-se que numa ocasião em que o colono John Smith estava detido pelos indígenas, Pocahontas, que tinha então por volta dos 10 anos de idade, protegeu o estrangeiro com seu próprio corpo quando ele estava prestes a ser executado, episódio que é alvo de controvérsias históricas e interpretativas. Mais tarde, quando tinha por volta dos 15 anos, foi a própria Pocahontas, a jovem indígena que não queria ver confrontos sangrentos, que se viu na condição de prisioneira, sendo capturada por ingleses e usada como refém para pressionar o Chefe Powhatan. Eram tempos difíceis para os nativos, que passavam por um período de precariedade na obtenção de alimentos por causa de uma forte seca que se abateu sobre a região da Virginia enquanto lidavam com as pressões dos ingleses exigindo terras e mantimentos.

Ela recebeu instrução por parte dos colonos durante o cativeiro, aprendendo inglês, sendo convertida ao cristianismo e até adotando um novo nome, passando a se chamar Rebecca entre os ingleses. Em 1614 ela se casou com John Rolfe, apesar de casada anteriormente em sua aldeia com o indígena Kocoum. Esta união com Rolfe era parte de um acordo de pacificação e com o britânico ela teve um filho, Thomas Rolfe. Em 1616 ela foi para a Inglaterra acompanhando o marido e sua presença também foi usada como um subterfúgio dos colonos para arrecadar dinheiro para financiar o assentamento, pois a jovem indígena era apresentada a todos como o resultado de um projeto civilizatório, sendo uma “selvagem” cristianizada que falava o idioma dos ingleses. Até o rei e a rainha conheceram Pocahontas, anunciada como Sra. Rebecca Rolfe.

Pocahontas não voltou a ver sua terra natal e seu povo. Morreu aos 20 anos durante a viagem à Inglaterra, possivelmente de alguma doença infecciosa. Sua experiência foi um aspecto importante da complexidade do processo colonização e das tumultuadas relações entre nativos e colonizadores.

Muito antes do filme, Pocahontas virou uma lenda nos EUA. Tudo começou através dos relatos de John Smith, que passaram a ser lidos e discutidos. Durante o século XIX as versões romantizadas de sua história passaram a ser representadas na literatura popular, em montagens teatrais e campanhas propagandísticas, firmando a imagem da “boa selvagem” altruísta e alimentando o discurso que forjava uma alegada harmonia nas relações que envolviam indígenas e os dominadores que chegavam de longe para tomar suas terras.


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