Através do Tempo: A fascinante história de nossa cronologia

(Representação visual gerada pela IA DALL-E)

Demarcar a passagem do tempo tornou-se uma necessidade para as sociedades desde tempos distantes no passado. Ter conhecimento sobre o fluxo do tempo era importante para atender a diversas necessidades ligadas a agricultura, a religião e a organização social. As primeiras formas de demarcação do tempo eram baseadas em fenômenos naturais como as fases da lua, as estações do ano e o movimento das estrelas. Com o desenvolvimento da agricultura, tornou-se necessário estabelecer um calendário preciso para determinar as épocas de plantio e colheita. A religião também desempenhou um papel importante no desenvolvimento da cronologia, pois os calendários religiosos eram usados para marcar datas importantes para as diferentes crenças, como comemorações sagradas, celebrações e rituais. Com o crescimento das cidades e do comércio, a necessidade de uma organização social mais complexa tornou ainda mais evidente o fato de que o desenvolvimento de um calendário preciso era essencial para a organização do trabalho, das atividades mercantis e da vida social em geral. Ao longo da história, as técnicas de demarcação do tempo foram se desenvolvendo e sendo aprimoradas e diversas sociedades encontraram suas próprias maneiras de dimensionar o andamento e contagem dos dias e de seus agrupamentos.

No caso dos romanos já nos tempos da fase monárquica possuíam um avançado sistema de contagem e um calendário devidamente instituído. Eles utilizavam inicialmente a base lunar como referência e seus 10 meses eram identificados da seguinte maneira: O ano iniciava em Martius (nome do deus Marte), sendo seguido por Aprilis (referente a “abrir”, alusão ao florescimento da primavera), Maius (nomeado em honra de Maia, deusa da primavera), Iunius (nome alusivo à deusa Juno, do casamento e nascimento), Quintilis (de  “quintus” – “cinco”), Sextilis (“sextus” – “seis”), Semptember (“septem” – “sete”) , October (“octo” – “oito”), November (“novem” – “nove”) e encerrado em December (“decem” – “dez”).

Eles também faziam a contagem dos anos segundo a referência “Ab Urbe Condita” (“desde a fundação da cidade”), que tinha como marco o estabelecimento da capital, Roma, em 753 a.C. Um problema do calendário romano era sua inexatidão. Como era estabelecido a partir dos ciclos lunares, seus meses duravam entre as ocorrências de duas luas novas, o que resultava em um ano de 304 dias, insuficiente para acompanhar o ano solar de 365 dias. Sob o reinado de Numa Pompilius, foram incorporados os meses de Ianuarius (honrando o deus Janus) e Februarius (referente à Februa, festival dedicado à purificação) como primeiros meses do ano que modificaram a sequência anterior para tentar resolver a diferença das quantidades de dias. Mesmo assim, como a base lunar continuava sendo mantida, a imprecisão para identificar as datas das estações viraram um sério problema para orientação e assim, finalmente, em 45 a.C, sob o governo de Júlio César, foi adotado o “Calendário Juliano”, de base solar com seus 365 dias e o acréscimo de um dia adicional de ajuste a cada 4 anos (ano bissexto).

Depois da reforma juliana, a configuração dos meses teve ajustes. O mês Quintilis passou a ser chamado Iulius em homenagem à Júlio César e Sextilis recebeu o nome de Augustus em homenagem ao imperador Augusto, herdeiro político e familiar de Júlio César e primeiro governante da fase imperial de Roma. O sucessor de Augusto, o recluso Tibério, negou a repetição desse mesmo tipo de homenagem e encerrou as modificações dos nomes dos meses, que permanecem os mesmos até os dias de hoje.

O marco de contagem Ab Urbe Condita e a posterior adoção da Era de Diocleciano (contagem dos anos a partir do início do reinado do imperador Diocleciano, em 284 d.C.) foram no século VI, sendo abandonadas pela adoção da referência do nascimento de Jesus Cristo (“Anno Domini”) para contar os anos. Esta modificação foi realizada a partir da proposta do monge Dionísio, o Exíguo, que se baseou nas referências de sua época para identificar o ano em que Jesus nasceu. Embora esta contagem tenha sido estabelecida ainda nos dias atuais, ela é inexata porque as bases utilizadas por Dionísio foram verificadas depois como inconsistentes, além do problema da inexistência do “ano zero”. Hoje é reconhecido que Jesus não nasceu no ano identificado por Dionísio, ou seja, Cristo nasceu alguns anos antes do ano 1.

A complexidade na definição de nosso calendário não se encerra na mudança de nomes e ordem de meses ou na adoção de um marco referencial para a contagem dos anos. Em 1582, sob o pontificado do Papa Gregório XIII, foi instituído o Calendário Gregoriano depois do estabelecimento de estudos que recalcularam a contagem do tempo do ano solar, comprovando erros astronômicos e matemáticos no Calendário Juliano que comprometiam a contagem dos anos pelo acúmulo residual desta falha. Para minimizar a situação sem alterar a contagem dos anos já estabelecida, foi adotada a solução adaptar uma alteração no próprio ano em curso para alinhar a contagem ao movimento solar, assim o dia seguinte ao 4 de outubro de 1582 foi o dia 15, deste modo, 10 dias daquele ano foram removidos da contagem. Este salto na data não foi facilmente assimilado e causou uma série de transtornos na ocasião, implicando em problemas com prazos de contratos, datas de aniversários e resistências num contexto de reformas religiosas, já que protestantes se negavam a aderir ao calendário corrigido pela Igreja Católica, resultando no fato de que vários países e regiões europeias ficaram “dessincronizados” uns com os outros em termos de datação, o que ainda levou vários anos até a conciliação prática. Os britânicos e suas colônias, por exemplo, só aderiram em 1752 e a Rússia levou muito mais tempo até aceitar a mudança, pois até a Revolução de 1917 continuava seguindo o Calendário Juliano.

Enfim, a adoção de referências para contagem do tempo passou por um complicado processo de estabelecimento e funcionamento, mas existem no mundo diversos calendários diferentes associados aos contextos culturais e históricos dos povos que os utilizam. Assim, num mesmo mundo, povos vivem em anos diferentes, utilizam ciclos diversificados e constituem suas próprias experiências com o tempo.

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