Perseguição aos cristãos no Império Romano: O relato do martírio de Vibia Perpértua

(Representação visual gerada pelas IAs Mage e Leonardo)

A história do cristianismo é repleta de episódios contendo martírios de fiéis dotados de imensa obstinação e fé, representando exemplos que serviam para inspirar a propagação da religião em situações muito desfavoráveis ou para provocar a consciência religiosa daqueles que não estavam suficientemente comprometidos com a crença. Nos primeiros séculos do cristianismo, a situação era especialmente desafiadora para os seguidores, pois os romanos decidiram impor uma série de impedimentos para o exercício da fé na tentativa de barrar a proliferação da nova religião.

Durante o domínio do imperador romano Septímio Severo (193-211 d.C.), a radicalização contra os cristãos foi reforçada. Ele acreditava que o cristianismo era uma ameaça à unidade do Império Romano, pois os cristãos se recusavam a participar dos ritos religiosos do Estado. Além disso, Severo considerava os cristãos como dissidentes perigosos, pois eles eram acusados de subversão e de conspirar contra o governo. Em 202 d.C., Severo promulgou um decreto que acentuava as restrições sobre os cristãos, impedindo-os de ocupar cargos públicos e de exercer livremente suas crenças, além de proibir a conversão de novos cristãos. A perseguição aos cristãos durante o governo de Severo foi uma das mais duras da história do Império Romano. Uma multidão de cristãos foi morta ou exilada durante esse período.

Apesar das perseguições, cristãos continuaram a persistir na sua fé. Muitos decidiram enfrentar a situação e tornaram-se mártires, que foram mortos por causa da sua fé. Eles eram frequentemente torturados e executados em público. A sua morte era vista como um testemunho da sua fé e como um incentivo para os outros cristãos a permanecerem firmes na sua fidelidade religiosa. Alguns dos mártires mais famosos da época de Septímio Severo incluem São Cipriano, que foi decapitado em Roma, e Santa Perpétua e Santa Felicidade, que foram executadas em Cartago.

No caso de Perpétua e Felicidade, a história que envolve o martírio, tem um componente excepcional, pois se tratavam de duas jovens de classes diferentes unidas pela religiosidade e pela natureza dos registros sobre o martírio, pois Perpétua escreveu um diário de sua vivência na prisão que, concluído por um contemporâneo que testemunhou a situação, compõe a obra “A Paixão de Perpétua e Felicidade”. O registro feito por Perpétua tem a relevância de ser uma rara peça documental produzida por uma mulher cristã sob as circunstâncias das perseguições romanas, sendo a mais elaborada entre os registros desse tipo.

Com base nos escritos do diário, Vibia Perpétua era uma mulher de origens abastadas na província africana de Roma, na cidade de Cartago. Ela tinha 22 anos em 202 quando foi presa juntamente com sua escrava Felicidade e outros companheiros de fé sob as ordens do governador Hilariano. Enquanto o decreto do imperador especificava que o ato de conversão era proibido, Perpétua e as outras vítimas da perseguição foram detidas enquanto ainda eram catecúmenos, ou seja, antes da formalização do ato de batismo, o que era legalmente suficiente para livrá-los da prisão, porém a medida punitiva foi mantida mesmo assim. Perpétua, que estava grávida por ocasião da prisão, tomou a providência de fazer notas de seu cotidiano no cárcere, descrevendo aspectos da prisão, do tratamento recebido, do julgamento, dos argumentos utilizados para se defender e sobre a afirmação de sua convicção religiosa que não foi afetada pelas circunstâncias mesmo diante dos apelos de seu pai que tentava salvar sua vida e se queixava sobre sua religião. Ela teve seu filho enquanto estava presa e chegou a amamentar a criança nos calabouços, mas depois de ter o bebê retirado de seu poder, o tratamento cruel recebido passou a ser ainda mais duro. Sua narrativa envolve sonhos como se fossem mensagens divinas contendo presságios de esperança. A consciência da condenação à morte não afetava a convicção religiosa da mulher nem de sua mais próxima companheira, a ex-escrava Felicidade, que também estava grávida e acabou dando à luz a uma menina na véspera da execução.

Conforme a sentença, os condenados seriam executados em público num evento de arena com jogos gladiatórios, torturas diante de espectadores e enfrentamento de feras. Perpétua e Felicidade foram lançadas na arena, onde tiveram suas roupas arrancadas e foram açoitadas para depois serem confrontadas por feras. Perpétua ainda sobreviveu depois de agredida por um urso, então recebeu um golpe de misericórdia desferido por um soldado.

Perpétua e Felicidade foram consagradas pela Igreja Católica de Roma e pela Igreja Católica Ortodoxa como santas.