“Carmilla”, a história de uma vampira lésbica publicada antes de “Drácula”

(Representação visual gerada pelas IAs Mage e Leonardo)

Em 1897, o romancista irlandês Bram Stoker publicou “Drácula”, obra que popularizou o sombrio personagem central da trama e tornou os vampiros figuras comuns no imaginário dos fãs de terror ao longo dos anos. No entanto, antes do sinistro conde da Transilvânia, uma outra criatura sedutora e alimentada por sangue humano já havia sido abordada em um romance.

A obra “Carmilla”, de autoria de Joseph Sheridan Le Fanu, conterrâneo de Stoker, foi publicada em partes entre 1871 e 1872 e apresenta a bela, sedutora e misteriosa mulher que dá título à narrativa como uma assassina de poderes sobrenaturais que se alimenta do sangue de suas vítimas, uma autêntica vampira. A tensão em “Carmilla” é frequentemente mais sugerida e insinuada do que explícita, técnica que influenciaria o horror moderno, que muitas vezes depende do medo induzido e do invisível.

A história se passa na Estíria, região que fazia parte do Império Austro-Húngaro, e acompanha Laura, a narradora, que é uma jovem mimada cuidada por seu pai cuidadoso e duas governantas. Apesar dos cuidados, Laura é uma figura solitária que anseia por amizades e paixões. Em uma noite de lua cheia, uma mulher estranha bate à porta pedindo socorro após um acidente com sua carruagem, acompanhada por outra jovem, sua suposta filha, Carmilla. Por insistência de Laura, seu pai aceita hospedar Carmilla até que sua mãe retorne de sua viagem. Com o passar dos dias, Laura e Carmilla desenvolvem uma relação intensa.

Acontecimentos estranhos começam a ocorrer na propriedade e nos arredores. A natureza encantadora de Carmilla vai sendo aos poucos revelada de diversas maneiras ao longo da trama. Ela muda de aparência e suas feições se tornam grotescas, tem um poder de enfraquecer e entorpecer uma pessoa com um simples toque de suas mãos ao segurar o pulso das vítimas e possui capacidades hipnóticas.

Ao mesmo tempo, surgem na região relatos de mortes de mulheres por uma estranha doença e Laura também começa a manifestar sinais de debilidade em sua saúde. Enquanto piora, a moça é atormentada por terrores noturnos e pela aparição de um gato preto em seu quarto todas as noites. Os mistérios em torno da estranha hóspede só aumentam quando um quadro antigo da família é devolvido à propriedade após um serviço de restauração: Carmilla é idêntica à Condessa Mircalla Karnstein, a mulher retratada na pintura.

Atormentado, o senhor do castelo reúne um grupo e vai até as ruínas da antiga propriedade dos Karnstein, onde descobre que a condessa foi uma vampira derrotada por um caçador de seres demoníacos. Também presente no local está o General Spielsdorf, que revela que sua sobrinha morreu vítima da ação de uma vampira chamada Millarca e que está em busca de vingança. A Condessa Mircalla Karnstein exercia sua influência ora por meio de violência direta, estrangulando e exaurindo suas vítimas que eram consumidas como refeição, ora por uma abordagem refinada, exercendo pacientemente sua paixão e prazer em um cortejo artificioso, como se ansiando por alguma forma de simpatia e consentimento.

Enquanto a pequena expedição está reunida, identificam a sepultura da Condessa Mircalla Karnstein na arruinada capela da propriedade abandonada e encontram em seu interior o corpo intacto da vampira, mesmo após mais de dois séculos de sua morte. Ela ainda respirava e tinha batimentos cardíacos, aparentando estar em um sono profundo enquanto jazia imersa em sangue. Para acabar de vez com a maldição representada pela vampira, seu coração foi arrancado e seus restos foram incinerados.

“Carmilla” é uma obra pioneira e relevante por várias razões, muitas das quais estavam à frente de seu tempo e influenciaram o gênero do terror e a ficção sobre vampiros. Diferentemente de muitas histórias de vampiros que se concentram em figuras masculinas, “Carmilla” tem uma protagonista feminina. Isso não só subverte expectativas de gênero, mas também introduz dinâmicas de poder e sedução que eram raras na literatura da época. Além disso, possui um notável subtexto homoerótico, com a relação entre Carmilla e Laura contendo sugestões de atração romântica e sexual. Em uma época em que a homossexualidade era tabu, a obra explora ousadamente temas de desejo e amor proibido sob o disfarce de uma narrativa de terror.

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