A Revolta dos Malês: Resistência em nome de Allah e pelo fim da escravidão na Bahia

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Em 1835 Salvador, na Bahia, estava no centro de uma economia baseada na produção de cana-de-açúcar e fumo com forte dependência do trabalho escravo. Havia uma rica diversidade de etnias e procedências entre os cativos, que incluíam aqueles já nascidos no Brasil. No meio da variedade que caracterizava a população escrava baiana estavam os malês, falantes de língua iorubá que professavam a fé islâmica e eram provenientes sobretudo da Nigéria e Benin. A religião islâmica acabou sendo um importante fator de integração entre estes cativos, pois eles cumpriam conjuntamente suas obrigações sagradas e tiveram a oportunidade de articular durante esses momentos seus planos para lidar com as condições que a escravidão impunha sobre eles. O ideal da Jihad, que conclamava uma “guerra santa” era um dos fatores que motivavam os escravos muçulmanos, que foram incorporando gradualmente seu processo de ação.

Embora não devidamente esclarecidos os detalhes, entre os malês havia a elaboração de um plano para a tomada de poder e uma mobilização clandestina estava em curso. Além dos nagôs, etnia da qual faziam parte dos malês, minoritariamente grupos de huissás também islamizados aderiram ao movimento que estava em formação e um grupo de escravos não islâmicos e ainda indivíduos libertos também reforçaram as fileiras dos rebeldes. Esta era uma variação discreta na composição do movimento, o que refletia a dificuldade de integração do vasto universo populacional da escravatura de Salvador. A comunidade escrava era composta por diversos grupos étnicos, por variadas religiões, por gente nascida em diferentes regiões dana África e também uma multidão de escravos nascidos no Brasil, os crioulos, sendo então muito complexo conciliar e apaziguar tantos interesses e diferenças. A possibilidade de que os malês objetivassem instituir uma sociedade fundada no islamismo se chocava com a situação dos demais africanos e crioulos praticantes do candomblé e catolicismo.

A grande rebelião social liderada pelos malês eclodiu nas primeiras horas de 25 de janeiro de 1835. As autoridades foram alertadas por uma delação que informava sobre os planos de tomada de poder por parte dos escravos que articulavam uma ação. Uma patrulha foi deslocada até uma casa que servia de esconderijo para os rebeldes e ocorreu o primeiro confronto entre soldados e um grupo africanos. Como o conflito acabou sendo deflagrado antes do previsto, os rebeldes trataram de manter mesmo assim a iniciativa e partiram para o ataque contra a Câmara Municipal de Salvador, onde um dos líderes dos malês, Pacifico Licutan, encontrava-se preso no calabouço porque foi recolhido como “propriedade penhorada” de seu senhor por razão de dívidas pendentes. O ataque não deu certo, mas Salvador já estava agitada e tomada pelos confrontos de rua.

A confusão durou poucas horas até que as forças do governo conseguissem conter os revoltosos. Estima-se que cerca de 600 pessoas, entre escravos e libertos simpatizantes, tenham participado da revolta. A reação do governo foi dura e sob as ordens de Francisco de Souza Martins, governador da província da Bahia, a repressão oficial deixou mais de 70 mortos durante o conflito. Além dos insurgentes massacrados, várias prisões imediatas foram realizadas. Rebeldes foram punidos de diversas formas, incluindo fuzilamentos de homens apontados como lideranças do movimento.

A Revolta dos Malês é reconhecida como uma das maiores rebeliões antiescravistas em caráter urbano ocorridos no continente e tornou-se em seguida um perigoso exemplo de resistência que motivou a estrutura escravista a intensificar as medidas de controle sobre a população cativa. O governo baiano instituiu como resposta uma legislação mais rígida para conter futuros atos de insurgência. Apesar de sua derrota, o grande ato de luta contra a escravidão inspirou a continuidade da mobilização pela libertação da população submetida a este abuso, fortalecendo o movimento abolicionista.

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