Marozia: A mulher que comandou a Igreja Católica e os papas

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Durante o século X, as divergências sobre o poder papal originaram uma série de ações marcadas por corrupção, conspirações, assassinatos e influências externas sobre o trono da Igreja Católica. Este período é conhecido como “Saeculum Obscurum” ou “Século das Trevas”. Essa fase complexa teve início, na realidade, no final do século anterior, com a morte do Papa Formosus e seu sinistro julgamento póstumo, onde seu cadáver em decomposição foi exumado e submetido aos ritos judiciais por ordem do sucessor, Estêvão VI. Este, não achando a situação suficiente, ainda promoveu a execução de uma pena ao defunto, visando humilhar sua reputação. O episódio, conhecido como “Synodus Horrenda” de 897, foi sucedido por um ambiente sombrio, no qual assassinatos de papas tornaram-se rotina – Estêvão VI, por exemplo, foi estrangulado.

A decadência que envolveu o papado, especialmente nas seis décadas seguintes, foi tão grave que também passou a ser denominada “Pornocracia” ou “Governo das Prostitutas”. No epicentro dos interesses que abalaram a credibilidade do papado estavam questões seculares e interesses da nobreza italiana, contexto onde emergiu Marozia (890-937), uma mulher dominante que exerceu poder e autoridade sobre os papas, manipulando-os em função de seus intereses. Sua influência sobre o papado foi tão notória que ela foi amante de um papa, e quatro gerações de sua linhagem tornaram-se pontífices da Igreja Católica.

Marozia era filha de Teofilato I, Conde de Túsculo, e sua esposa Teodora, que governava Roma com o marido ou, por vezes, governava o próprio conde. O casal basicamente dirigia a instituição religiosa, e há suspeitas de que, por ordens deles, os papas Leão V e Cristóvão foram assassinados em 903. Existem ainda hipóteses escandalosas de que Marozia era fruto de um caso adúltero de Teodora com os futuros papas João X ou Sérgio III.

Ela cresceu observando o poder secular e tornou-se próxima do poder eclesiástico. Supostamente teve um caso amoroso com o primo de seu pai, o Papa Sérgio III (que teoricamente poderia ser seu pai), incentivada por Teofilato e, principalmente, Teodora, que tinham interesses em reforçar os laços com o comando da Igreja Católica. Acredita-se que, desse relacionamento, nasceu João, o primeiro filho de Marozia (e futuro Papa João XI), quando ela tinha 15 anos. Como o relacionamento entre Marozia e Sérgio III não poderia ser oficializado, logo foi arranjado um casamento para ela com Alberico I, representante da família Spoleto. Outras versões sugerem que João era de fato filho de Marozia e Alberico I. As alegações e rumores foram registrados por cronistas contemporâneos críticos da poderosa família Teofilato; portanto, é difícil determinar o quanto é verídico ou difamação.

Mãe e filha eram mestras na arte da manipulação e decidiram usar os papas como peões em seu jogo de poder. A morte súbita de Sérgio III, em 911, levanta suspeitas de envolvimento delas. Surgiram rumores de que ambas seduziam cardeais. Os papas Anastácio III e Landon, que tiveram papados curtos e morreram sob circunstâncias suspeitas, eram tidos como amantes delas. E João X, ex-amante de Teodora e possível pai de Marozia, tornou-se papa com a intenção de resistir à influência do clã. Marozia e seu marido Alberico I tentaram um golpe em Roma, mas foram derrotados por João X, resultando na morte de Alberico I.

Após ficar viúva, Marozia casou-se com Guido da Toscânia, notório inimigo de João X, retomando a guerra. Eventualmente, o Papa foi capturado e morreu sob circunstâncias misteriosas enquanto estava detido pelo casal no Castelo Sant’Angelo. A influência de Marozia sobre o papado continuou com a eleição dos papas Leão VI e Estêvão VII, até que seu filho, João XI, tornou-se pontífice aos 21 anos.

O papado de João XI (931-935) foi dominado por Marozia. Ele não demonstrava vocação religiosa, sendo conhecido por seus excessos.

Marozia, em seu terceiro casamento desde 929, casou-se com o rei Hugo de Arles após ficar viúva novamente. Este casamento já era questionado pelo direito canônico. A possibilidade de maior concentração de poder provocou uma reação liderada por Alberico II, filho de Marozia e irmão do Papa João X. Após um confronto com Hugo, Alberico incitou revoltas em Roma, resultando na fuga de Hugo e prisão de Marozia. Esse foi o fim do domínio de Marozia sobre a Igreja, mas sua família continuou influente. Alberico II governou Roma a partir de 932 e controlou seu irmão, o papa, que aceitou para evitar o destino da mãe, presa no Castelo Sant’Angelo.

Marozia tentou conspirar mesmo presa, mas sem sucesso. Ela faleceu em 937, aos cerca de 47 anos. Suspeita-se que tenha sido morta por ordem de seu filho Alberico II, que governou por mais 20 anos e conseguiu influir sobre a condução de seu filho, neto de Marozia, para o posto papa com o nome João XII.

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