Calígula, um tirano difamado

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Gaius Caesar Augustus Germanicus (12 a.C. a 24 d.C.), eternizado por seu apelido Calígula (“Botinhas”), é certamente um dos imperadores romanos mais famosos e também infames. Era filho do herói de guerra e respeitado general Germanicus Julius Caesar, da poderosa família dos Cláudios, e foi adotado pelo tio, o imperador Tibério, como sucessor. A mãe de Calígula era Vipsania Agrippina, neta do imperador Augusto e representante da família dos Júlios. Calígula despontou na linha sucessória depois das mortes do pai, no ano 19 d.C., e dos dois irmãos mais velhos, Nero Caesar e Drusus Caesar. Assim, quando Tibério morreu, em 37 d.C., ele foi consagrado como o terceiro imperador de Roma aos 24 anos de idade. Porém, antes disso, passou seis anos vivendo sob vigilância do velho imperador, praticamente aprisionado.

O jovem imperador inicialmente apresentava uma personalidade carismática que cativou a população. Além disso, ele tratou de concluir obras inacabadas deixadas por Tibério, apresentou projetos de novas construções públicas e tudo parecia indicar que ele poderia ser um bom exemplo de imperador. Contudo, após uma grave doença que preocupou os romanos, ele assumiu uma postura muito diferente ao se recuperar. O imperador demonstrou inclinações despóticas, instituiu perseguições dirigidas contra desafetos e opositores, e impôs uma série de execuções por traição. Entre suas vítimas estava seu primo, Tiberius Julius Caesar Nero, conhecido como Gemelo, nomeado por Tibério como co-herdeiro ao lado de Calígula. Ele era visto como uma ameaça devido a seus direitos mais legítimos como sucessor do avô. Seu pai, Drusus Julius Caesar, foi o primeiro na linha sucessória até sua morte em 23 d.C.

Seu comportamento também era considerado chocante. Seus alegados casos incestuosos com as próprias irmãs, Agripina, Drusila e Lívila, foram amplamente comentados, mesmo elas tendo seus maridos. Quando Drusila, a mais querida entre elas, morreu em 38 d.C., o imperador ficou transtornado e promoveu homenagens inéditas para ela, elevando-a à condição de divindade. Estas relações com as irmãs sugeriram ainda que ele pretendia estabelecer uma linhagem familiar ao estilo egípcio helenístico, inclusive com sua proclamação como deus vivo.

Entretanto, os escândalos não pararam aí. Seu maior detrator, o historiador Suetônio, narrou o insólito episódio de Calígula nomeando seu cavalo como senador, indicativo de insanidade. Porém, interpretações posteriores consideraram essa atitude uma demonstração de poder e crítica à instituição dos patrícios romanos. Há ainda a ordem bizarra dada aos legionários de “atacar o mar” após recusarem uma invasão imprevisível à Grã-Bretanha, uma maneira de humilhar os militares. Muitos destes episódios, frutos das narrativas de Suetônio, carecem de evidências conclusivas. Até mesmo os relatos sobre as relações com as irmãs podem ter sido exagerados ou fantasiados pelos opositores, embora seja fato que o imperador enfrentou tensões institucionais com o Senado e atritos com a classe patrícia.

Entre os pontos críticos de seu governo estavam suas pretensões megalomaníacas, o desejo de instaurar uma monarquia na qual pudesse exercer poder de forma ilimitada, e sua aspiração divina numa Roma que ainda valorizava instituições republicanas durante a Dinastia Júlio-Claudiana. Ele estava testando os limites que mantinham um equilíbrio em Roma. Para agravar a situação, chegou a cogitar transferir a capital do império para Alexandria, no Egito.

O ponto de ruptura ocorreu quando perdeu o apoio da Guarda Pretoriana, o que o deixou em uma situação de grande vulnerabilidade. Foi assassinado por punhaladas, num atentado orquestrado por integrantes da guarda e membros do Senado. Sua esposa e filha foram mortas para evitar possíveis reivindicações sucessórias e, em seguida, seu discreto tio Cláudio (Tiberius Claudius Caesar Augustus Germanicus), um erudito que era mantido isolado na família real por causa de suas deficiências físicas e problemas de saúde, foi designado como imperador.

Calígula pode não ter sido um governante exemplar e cometeu abusos como muitos outros imperadores romanos, mas a imagem de louco e cruel impressa em sua reputação histórica merece ser reavaliada, visto que muitos narradores de suas biografias tinham objetivos claros de difamá-lo para a posteridade.

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