A invenção de Chico Rei

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Há figuras que foram tão bem inventadas que até parece que existiram mesmo. Chico Rei é uma delas. Sua primeira aparição foi como nota de rodapé na obra “História Antiga de Minas”, de Diogo de Vasconcelos, publicada em 1904. O autor mencionou a figura de um certo Francisco, rei africano escravizado que foi parar em Minas Gerais com o filho que sobreviveu à viagem, mas que depois de trabalhar muito comprou sua liberdade, a de seu filho e saiu promovendo a aquisição da libertação de vários outros africanos até constituir um pequeno reino onde foi coroado e onde os súditos viviam festivamente trabalhando livres na mina Encardideira com as bênçãos de Santa Efigênia. Diogo de Vasconcelos não apresentou nenhuma comprovação para sua pequena história de nota de rodapé que incrivelmente passou a ser base para que outros citassem a existência do tal rei africano coroado de novo em Minas Gerais. Na década de 1960 o escritor Agripa de Vasconcelos publicou o seu livro “Chico Rei”, um romance “histórico” no qual o autor desenvolve o personagem do rei africano e as circunstâncias e detalhes em torno de sua vida.

Segundo a narrativa incrementada na obra, Chico Rei nasceu como Galanga nas bandas do Congo, onde era rei de um povo ao lado de sua esposa Djalô, mas a felicidade da família real acabou quando foram todos capturados por escravizadores. O drama da captura se agravou quando a rainha e a princesa Itulo foram atiradas ao mar durante a travessia oceânica. Em terra, Galanga virou escravo no garimpo e trabalhou para comprar sua alforria e a de seu filho, então comprou sua própria mina e a partir daí foi comprando também as libertações de vários outros escravos que, agora libertos o aclamaram rei. Os libertos, agora todos cristãos, firmaram uma irmandade, construíram uma igreja e Chico Rei reinou sobre Vila Rica com permissão do governador-geral português, situação muito diferente dos quilombos de verdade – afinal, seu reino não era quilombo. O rei que nunca existiu morreu aos 77 anos não vividos.

Agora com detalhes de uma existência criada, Chico Rei começou a ser evocado como figura histórica, um libertador, um herói. Mas para contornar a inexistência de qualquer comprovação sobre sua biografia ou sobre os aspetos circunstâncias em torno dela, o rei afro-brasileiro passou a ser tradado como lenda, mas mesmo para ser lenda talvez falte bastante em sua trajetória tão recente.

O grande feito da história de Chico Rei é essa libertação sem conflitos nem contestação, apenas pelo empenho do esforço. Esse não é um ótimo exemplo para ser assimilado? É até bem meritocrático!

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