Em 2008, Manuel Bivar partiu em direção à região de Quinara, na Guiné-Bissau, com seu plano de pesquisa já traçado. Para isso, consultou mapas, leu uma infinidade de relatórios e elaborou os formulários de entrevista a serem aplicados à população local. O objetivo era abordar os efeitos nefastos da agricultura itinerante no parque natural ocupado por aquelas comunidades. No entanto, ao ter contato com os agricultores, o pesquisador percebeu o quão descabidas e preconceituosas eram suas perguntas. Depois de outras três viagens a Quinara (em 2009/2010/2011) Bivar revela no livro Os chãos dos biafadas (Eduff, 168 p.) antigas histórias da região, baseadas em textos descobertos durante a pesquisa, e as narrativas das diversas “matrilinhagens” biafadas, um povo repleto de mitos, convertido ao islamismo.
O livro Os chãos dos biafadas é baseado na dissertação de mestrado de Manuel Bivar, contemplada na primeira edição do Prêmio Império, que seleciona os melhores trabalhos defendidos em universidades dos países de língua portuguesa sobre temáticas relacionas com a história da agricultura. No primeiro capítulo, o autor denomina e descreve todo o trabalho realizado inicialmente como “A história que não interessa”, “Havia uma história em detalhes, mas não era a história que eu queria” e, a partir do segundo, dá início à real história de cada um dos “chãos” em que se divide Quinara, suas origens, ancestralidades e matrilinhagens.
No entrelaçamento de histórias coletadas – com diferentes interpretações para um mesmo vocábulo -, Bivar define quem é quem na comunidade local, qual a posição e os direitos de cada um sobre cada território, e o papel eficaz dessa “cumplicidade” como forma de evitar conflitos. Em Quinara, todos são muçulmanos, principalmente, a partir do século XIX, o que promoveu frequentes adaptações e mudanças nos cultos e nas cerimônias ancestrais. A narrativa descreve as relações entre “islão e mato” e “islão e chão”. Entre as diversas consequências dessas analogias, o livro cita, como exemplo, o fato de os biafadas dividirem-se entre os bebedores e os não bebedores, uma vez que “islamismo” e “abstinência do álcool” parecem ser sinônimos.
Os chãos de Quinara são um só, consensualmente divididos entre “chãos irmãos, chãos sobrinhos, chãos tios, chãos avós”, e formam uma rede baseada nos laços indissolúveis de parentesco que cobre toda a região e fora dela, por onde há, havia ou houvera aldeias “gandjagrôs” (nome de cada pedra e cada rio que delimitam as fronteiras) e chãos biafadas. Em Quinara, o chão nunca foi vendido. “[…]Do meio da água saía uma pedra, e quando a maré vazava, aquela pedra era como um porto.[…]”.
A obra pode ser obtida através deste link